Depois de uma boa picada na qual o carreto nos presenteia com a sua música celestial em forma de longo zumbido, a adrenalina sobe rapidamente por todo o corpo e faz-nos sair disparados para as canas com um verdadeiro tremor de pernas e o coração acelerado. O mágico momento de ferrar o peixe e sentir sua luta chegou, compensando-nos das longas esperas e das menos boas pescas de anteriores jornadas.
Mas não esqueçamos o mais importante, para que tudo isto se realize é condição “sinequanon” que o peixe morda a isca e… nem todos o fazem de igual forma, por isso tentaremos dar uma visão de conjunto de como os peixes atacam a isca.
Em primeiro lugar os peixes, como todos os animais, condicionam a sua dentição ao regime alimentar que desfrutam. No caso dos tubarões e rayas podemos encontrar dois tipos de dentes:
- Cónicos ou pontiagudos, com uma primeira fileira para morder a suas presas e outras mais internas que vão avançando para o exterior e substituindo a primeira fileira de dentes que pouco a pouco se desgastam ou perdem. Podem apresentar picos auxiliares, ser erectos ou abatidos, com contornos em serra ou lisos.
- Em mosaico, sobretudo em rayas e cações, com várias fileiras de dentes funcionais que formam uma espécie de pavimento empedrado.
No caso dos peixes ósseos podem-se distinguir três tipos de dentes segundo seja sua posição na boca:
1. º - Mandibulares, situados no pré-maxilar e maxilar, na mandíbula superior e na dentadura inferior. Os dentes mandibulares, podem ser, por sua vez, de vários tipos: Cordiformes: São numerosos, finos e pontiagudos, dispostos em várias fileiras como no caso das merluzas, (Merluccius merluccius) peixe lagarto, etc. Caniniformes: Têm forma de caninos pontiagudos, destacam-se todos os peixes do género Dentex: Dentón, ( Dentex dentex) Parguetes, Cachucho, (Dentex macrophthalmus) etc. Incisivos: São dentes com os extremos cortados em bisel, como os dentes anteriores do Pargo (Pagrus pagrus). Molariformes: Aplanados, em forma de paralelepípedo e destinados a esmagar e moer crustáceos e conchas, como os da Douradas (Sparus aurata) e Pargos Sêmea (Pagrus Auriga).
2. º - Bucais, situados no tecto da cavidade bucal e palatino. Robalos (Dicentrarchus labrax) e Bailas (Dicentrarchus puntatus) apresentam este tipo de dentes.
3. º - Faringeos, situados nos arcos branquiais. Podem servir para raspar, rasgar ou moer. Carángidos como os chicharros reais, (Caranx rhonchus) palometas (Trachinotus ovatus) e peixes limão (Seriola dumerilii) apresentam-os.
Em segundo lugar cada peixe e devido precisamente ao tipo de dentição que apresenta, ataca nossas iscas de diferente forma:
Sorvendo: Há peixes que pela falta de dentes pontiagudos
ou de uma placa óssea que lhes facilite a captura de outros peixes, crustáceos e moluscos, utilizam como forma de capturar o alimento á superficie da água a absorção ou chupando pequenos e delicados bocados ou pegando em areia e lodo do fundo para depois a cuspir e reter o alimento. São peixes que por sua forma de comer têm uma
picada em acção de pesca, muito subtil.
O exemplo deste tipo de peixes é a lisa (Liza aurata).
Sugando: Os peixes que capturam o alimento sugando-o da
maneira que o faz um aspirador, costumam rondar os areais
e têm bocas desenhadas para tal fim. Desde o ponto de vista de pesca com anzol, esta forma de comer joga contra, pois faz que a grande maioria deles os engola. Exemplo destes peixes são os salmonetes (Mullus surmuletus) e peixes planos.
Emboscada: Os peixes que praticam a pesca de emboscada
estão providos de bocas muito grandes e geralmente valem-se
da imobilidade, do mimetismo ou do emprego de chamarizes para atrair a suas possíveis presas. Uma vez fixado o objectivo este é literalmente engolido a toda velocidade por suas bocas passando inteiros ao bucho, pelo que geralmente tendem a engolir o anzol e é raro ferrá-los pelo lábio. Exemplo deste tipo de peixes são, os rascassos,
(Scorpaena scrofa) aranhas, (Trachinus araneus) e depredadores
oportunistas como os safios (Conger conger).
Rompante: Grande parte das espécies predadoras, objectivo
cobiçado dos pescadores, comem "em marcha" não parando
sequer para saborear a isca. São peixes que se valem da
sua velocidade e de um furibundo e rapidíssimo ataque sobre a presa que lhes costuma levar a engolir a isca inteira ou a ferrar-se firmemente pelo lábio, para depois seguir seu caminho nadando rapidamente. Típico deste grupo de peixes é o dar um tremendo esticão da cana seguido de um continuo zumbir do carreto levando fio, que em certas ocasiões se traduz em ver nossa cana atirada sobre a areia
ou ainda pior, arrastada para o mar. Nesta tipología poderíamos
enquadrar a bailas, robalos, corvinas, (Argyrosomus regius), pargos,
anchovas,(Pomatomus saltatrix) etc.
Envolvendo: Esta forma de comer é exclusiva de rayas, e outras espécies da mesma familia. Estes animais deixam-se literalmente cair sobre a isca cobrindo-os com seu corpo, para posteriormente dirigí-los para sua boca que está em posição ínfra e em contacto com o fundo. Costumam dar um esticão na cana e ficar quietos até que começamos a recolher apresentando uma forte resistência favorecida pela forma do seu corpo e sua forma de nadar.
Trincando: Esta peculiar forma de comer é característica dos
sargos, (Diplodus sargus spp.) safias, (Diplodus vulgaris) e afins. Estes peixes costumam ser gregários e para evitar a concorrência com outros congéneres tomam a isca levando-lho rapidamente para um lugar isolado. Costuma traduzir-se em esticões secos na cana.
Beliscando: Os peixes de boca pequena ou os herbívoros costumam comer, dando pequenos beliscos aos bocados de isca. Salemas, (Sarpa salpa), bodiões, etc., poderiam enquadrar-se neste grupo.
Cuspindo: Deixámos para o final esta peculiar forma de tomar as
iscas, por ser a habitual de dois cobiçados espáridos a Dourada
e o Pargo Sêmea. Estes peixes costumam capturar os crustáceos e moluscos com concha, pelo que seu primeiro ataque vai encaminhado a morder e romper a dura carapaça de suas presas e as matar, para posteriormente as engolir, poderíamos dizer que sua forma de comer passa por três fases: morder-cuspir-engolir. Isto costuma-se traduzir nas nossas canas por uns ligeiros toques ao princípio seguidos de um “esticão” coincidente com
o momento em que tomam e arrancam com a isca.
Paulo karva